16 Jul
As eleições foram adiadas!

   A esta altura, já é conhecido que a Emenda Constitucional n. 107 alterou a data das eleições, em razão da crise de saúde representada pela COVID-19. Foi uma providência sensata e necessária. Embora este tipo de elogio seja algo raro, aqui vai: parabéns Congresso Nacional. Vocês fizeram uma boa norma. 

   A grande virtude da Emenda Constitucional 107 é ter resistido a pressões e lobbies no sentido de prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores. Mandato é uma espécie de incumbência, de transferência provisória de poderes. Os termos desta transferência são aqueles combinados na eleição: olha, quatro anos para você, prefeito; quatro anos para você vereador. Não dá para, no meio do caminho, mudar os termos da incumbência e dizer "fique mais um tempinho". Isso seria, aliás, inconstitucional. Isso já aconteceu no Brasil, tempos atrás, com um mandato presidencial. Não deu certo, óbvio. 

   Outra pressão a que se resistiu foi a de tornar o voto facultativo. Não é uma má ideia, acrescento. Só que é um debate que deve ser feito com tranquilidade, não em meio a uma pandemia. É preciso saber se, mesmo com o voto facultativo, a estrutura de primeira qualidade oferecida pela Justiça Eleitoral será mantida. Custa muito dinheiro organizar as eleições, prover seções eleitorais próximas da residência do eleitor, convocar milhares de mesários... Se isto for mantido, sou a favor da facultatividade do voto. Mas não agora, em meio a pandemia.

   É que a Emenda excepcionou a regra de ouro das eleições:

Constituição Federal

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Este artigo tem por objetivo evitar alterações casuísticas, interesseiras, repentinas, às vésperas da eleição. Foi preciso excepcioná-lo, mas foi bom que a emenda tenha se auto-contido.

   Só é caso de criticar, para não perder o hábito, a seguinte disposição:

"§ 4º No caso de as condições sanitárias de um Estado ou Município não permitirem a realização das eleições nas datas previstas nocaputdeste artigo, o Congresso Nacional, por provocação do Tribunal Superior Eleitoral, instruída com manifestação da autoridade sanitária nacional, e após parecer da Comissão Mista de que trata o art. 2º do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, poderá editar decreto legislativo a fim de designar novas datas para a realização do pleito, observada como data-limite o dia 27 de dezembro de 2020, e caberá ao Tribunal Superior Eleitoral dispor sobre as medidas necessárias à conclusão do processo eleitoral."

O TSE poderia fazer isso. Já faz regularmente, quando há eleições suplementares. Não haveria nenhuma usurpação às competências do Congresso Nacional. 

   Esse desacerto foi, porém, compensado pelo seguinte acerto:

"Art. 1o., § 3o.

VI - os atos de propaganda eleitoral não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional;

Essa disposição afasta o risco de que prefeitos pretendendo reeleição dificultassem a vida dos candidatos da oposição, a pretexto de medidas sanitárias. Se elas forem necessárias, uma autoridade de outra circunscrição irá dizer. 

   Outro acerto foi permitir a diplomação dos candidatos sem necessidade de prévio julgamento das contas de campanha. O interesse social é que esta contas sejam beeem examinadas, não que sejam examinadas na correria. Agora elas poderão ser prestadas até 12 de fevereiro de 2021 e a representação por captação ou gastos ilícitos de recursos ( "caixa 2", por exemplo) poderá ser ajuizada até primeiro de março. Teria sido bom se a emenda prorrogasse também o prazo da AIME, Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, que prossegue sendo de 15 dias após a diplomação. Este ato ocorrerá em 18 de dezembro, assim, a AIME deverá ser proposta até... 7 de janeiro! O TSE entende que quando o prazo termina em meio ao recesso - de 20 de dezembro a 6 de janeiro - ele é prorrogado para o primeiro dia útil. Será quinta-feira, 7 de janeiro. Não, não se aplica o Código de Processo Civil, nem seu artigo 220  (que suspende os prazos até 20 de janeiro). Eu até acho que seria o caso. 

    Para arrematar:  foi boa a solução de não reabrir prazos de desincompatibilização que já tinham transcorrido:

"Art. 1o., § 3o.

IV - os prazos para desincompatibilização que, na data da publicação desta Emenda Constitucional, estiverem:

a) a vencer: serão computados considerando-se a nova data de realização das eleições de 2020;

b) vencidos: serão considerados preclusos, vedada a sua reabertura;"

      Quando da publicação da Emenda 107, todos os prazos de seis meses de desincompatibilização já estavam vencidos. O mesmo em relação aos prazos de quatro meses, que venceram em 4 de junho de 2020. Apenas os prazos de três meses deverão ser computados com base na nova data das eleições (*).

     Eu fiz uma tabela comparativa, de como era e como ficou. Pode ser útil!


 

Como era 

Como ficou com a EC 107

Justificativa

Prazo de desincompatibilização de seis meses antes do pleito

4 de abril

4 de abril

EC 107, art. 3º., IV, letra “b”: os prazos vencidos serão considerados preclusos, vedada sua reabertura

Prazo de domicílio eleitoral na circunscrição

4 de abril

4 de abril

Art. 1º. § 2º. da EC 107, ao falar que os “prazos que não tenham transcorrido na publicação da emenda” e que tenham como base a data da eleição, serão computados considerando a nova data

Prazo de filiação Partidária

4 de abril

4 de abril

Idem

Prazo de desincompatibilização de quatro meses

4 de junho

4 de junho

EC 107, art. 3º., IV, letra “b”: os prazos vencidos serão considerados preclusos, vedada sua reabertura

Prazo de desincompatibilização de três meses 

4 de julho

15 de agosto

 

Condutas vedadas com prazo de três meses antes do pleito – Lei 9.504/97, art. 873, V e VI, art. 75 e 77

4 de julho

15 de agosto

EC 107, Art. 1º., § 2º.

Gastos com publicidade institucional

Gastos do primeiro semestre não podem superar a média do primeiro semestre dos três anos anteriores

Média dos gastos até 15 de agosto não pode superar a média dos dois primeiros quadrimestres dos três anos anteriores


1º. turno das eleições

4 de outubro

15 de novembro

       EC 107, art. 1º., caput

2º. turno das eleições

25 de outubro

29 de novembro

               EC 107, art. 1º., caput

Vedação de programas de rádio ou TV apresentados ou comentados por pré-candidatos

30 de junho

11 de agosto

EC 107, art. 1º, I

Convenções partidárias

20 de julho a 5 de agosto

31 de agosto a 16 de setembro

EC 107, art. 1º, II

Registro de candidatos

Até 15 de agosto

Até 26 de setembro

EC 107, art. 1º, III

Início da propaganda eleitoral

16 de agosto

27 de setembro

EC 107, art. 1º, IV

Proibição de, a partir das convenções, as emissoras de rádio e TV darem tratamento privilegiado a candidato ou divulgar nome de programa alusivo a candidato

6 de agosto

17 de setembro

EC 107, § 2º.

Período no qual as secretarias e cartórios eleitorais terão funcionamento contínuo, incluídos sábados, domingos e feriados

De 16 de agosto a 18 de dezembro

De 27 de setembro a 18 de dezembro

EC 107, § 2º.

Proibição de enquetes e sondagens eleitorais informais

A partir de 16 de agosto

A partir de 27 de setembro

EC 107, § 2º.

Horário eleitoral gratuito

A partir de 29 de agosto

A partir de 8 de outubro

EC 107, § 2º.

Apresentação do plano de mídia

A partir de 15 de agosto

A partir de 26 de setembro

EC 107, § 1º., V

Relatório parcial, na internet, das contas de campanha

15 de setembro

27 de outubro

EC 107, § 1º., VI

Apresentação final das contas de campanha

30 dias após o primeiro turno;

20 dias após o segundo turno, para quem o disputar

15 de dezembro


Diplomação

Até 18 de dezembro

Até 18 de dezembro


Julgamento das prestações de contas

3 dias antes da diplomação

12 de fevereiro de 2021

EC 107, § 3º, I

Representação do art. 30-A

15 dias da diplomação

1º. de março de 2021

EC 107, § 3º, II

Prazo do RCED

3 dias da diplomação, prorrogado para o 1º. dia útil após o feriado forense

3 dias da diplomação, prorrogado para o 1º. dia útil após o feriado forense


Prazo da AIME?

15 dias da diplomação, prorrogado para o 1º. dia útil após o feriado forense (20/12 a 6/1).

15 dias da diplomação, prorrogado para o 1º. dia útil após o feriado forense (20/12 a 6/1).



           Fica um abraço!

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves

    16 de julho de 2020

A foto é de Pirenópolis. Não tem a ver com adiamento de eleições. 

É saudade de viajar, mesmo.


(*) Consoante o escólio de Rodrigo López Zilio.

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